Em 2011, o
Relatório Mundial sobre Deficiência, elaborado pelo OMS (Organização Mundial de
Saúde) e Banco Mundial, alertou para o crescimento do número de pessoas
afetadas pela deficiência, no mundo inteiro. De acordo com o referido
relatório, estima-se que mais de um bilhão de pessoas apresenta alguma forma de
deficiência. Algo próximo de 15% da população mundial. Na década de 70, a
estimativa girava em torno de 10%.
No Brasil,
esse percentual é ainda maior, conforme dados levantados pelo Censo do IBGE, em
2010. Com uma população total de 190.755.799 habitantes, a estimativa é que 23% desse
total apresenta algum tipo de deficiência, conforme foi declarado pela
população recenseada. Nesse caso seriam
45.623.910 indivíduos afetados pela deficiência.
As razões
pelas quais tem aumentado o número de pessoas com deficiência estão
relacionadas a muitos fatores, dentre eles: o envelhecimento da população, já
que pessoas mais idosas apresentam um maior risco de deficiência, decorrentes
de doenças crônicas, tais como, diabetes, doenças cardiovasculares e doenças
mentais. Além destes, outros fatores contribuem, como: acidentes
automobilísticos, desastres naturais, conflitos, dieta e abuso de drogas. Outros dados http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/Relatorio_Mundial_SUMARIO_PDF2012.pdf
Os dados acima mostram que não podemos ficar indiferentes
à situação de deficiência em que se encontra uma parcela significativa da
sociedade, principalmente no que se refere ao reconhecimento dos seus direitos.
O Prof° Dalmir,
na crônica abaixo, revela-nos sinais de uma possível mudança de paradigma em
relação à pessoa com deficiência. Uma mudança necessária e que, ao mesmo tempo,
retira o manto da invisibilidade que durante séculos esteve sobre esses
sujeitos, por isso, hoje, nas palavras do autor: ser deficiente é “fashion”.
Uma ótima leitura!!!
SER DEFICIENTE É FASHION
Dalmir Pacheco(*)
De acordo com
os especialistas no assunto, e se você notar tem sempre um de plantão, os
deficientes (físicos, auditivos, visuais, mentais...) sempre mereceram um
tratamento diferenciado da sociedade, ou melhor, do grupo social no qual
estavam inseridos. Historicamente, de acordo com os valores econômicos,
políticos, culturais e religiosos, os deficientes poderiam ou não fazer parte
das preocupações sociais. Assim, foram ao longo da história da humanidade,
discriminados, isolados, sacrificados (eram improdutivos), iluminados (possuíam
poderes e sensibilidade aguçadas) e mais recentemente, influenciados pelas
ideias humanistas, super, hipervalorizados. Sinal dos tempos.
Se durante
séculos, o deficiente, regra geral, era um peso e uma vergonha para a família,
hoje o conceito é outro. Então deixa
relembrar um pouco minha história de vida, sem pieguice e lamentações. Durante
os anos setenta, quando em idade escolar tive de enfrentar o mundo dos normais,
senti a dureza de ser deficiente. Não existiam quaisquer tipos de procedimentos
oficiais que pudessem facilitar a minha “inclusão” escolar. Enfrentei as
escadas, as carteiras inadequadas, os professores despreparados, nem todos, é
óbvio. Lembro-me da professora Graça que ficava uma, duas horas esperando eu
copiar o “ponto” da lousa, pois não deixava ninguém me ajudar, porém foi bom,
assim aprendi que cada qual é responsável pela sua cruz. Vejo hoje que a minha
só pesava um pouco mais.
Mas, antes que
o leitor comece a chorar, essa não era a maior dificuldade. A situação se
complicava quando tinha que frequentar os locais públicos, pois eram olhares e
mais olhares que incomodavam, é claro, a mim e, principalmente, a minha mãe,
que, na maioria das vezes, perdia a esportiva e partia para cima de quem ficava
me fitando, geralmente com aquele “olhar cumprido”, ou como dizia vovô Lifuca,
igual a cachorro com fome.
Hoje a coisa
mudou. São leis e mais leis garantindo a igualdade e a inclusão social do
deficiente. Se vou ao banco, não preciso ficar na fila; se vou à escola, não
preciso mais subir escadas, agora tem rampas; se não posso trabalhar, o governo
me garante um benefício em forma de salário mínimo; há vagas em concurso
público (tem gente com unha encravada pleiteando uma), transporte coletivo
grátis, escolas especiais e assim por diante. São conferências, encontros,
seminários, todos com a mesma preocupação: Incluir.
Mudaram as
pessoas ou os deficientes? Quem lê as linhas anteriores pode até imaginar que
não estou gostando. Muito pelo contrário, tenho me sentido, no início desse
novo milênio, como se estivesse no paraíso. Tá todo mundo preocupado comigo. É
impossível ficar desamparado. São as ONGS, instituições públicas e privadas,
empresários (Opa! Será que estão ganhando alguma coisa? Ou será um gesto
humanitário com certeza?), instituições religiosas e uma legião enorme de
pessoas de bom coração e abençoadas por Deus. Amém. Afinal é tanta gente preocupada
com os deficientes que daqui a pouco vai faltar deficiente para cuidar.
Ironicamente,
para quem teve que lutar a vida toda para comprovar que era capaz de ser
normal, hoje basta possuir o título de incapacidade para ser aceito. Mudaram as
pessoas com certeza. E título é o que não falta: durante muito tempo fui
aleijado; a partir dos anos oitenta,
deficiente; com a chegada dos anos noventa, portador de necessidades especiais.
Agora vivo uma expectativa mortal: como seremos chamados no início desse século?
É dona Otília
(minha mãe), as dificuldades agora são menores, mas, valeu o sofrimento, senão
não teria o que escrever neste momento. Apesar ter sido sempre especial para
meus pais, só agora fui carimbado pela sociedade. É ... Paciência. SER
DEFICIENTE HOJE É FASHION.
(*) Doutorando
do Programa de Pós-Graduação em Educação-UFAM; Mestre em Educação pela
FACED- UFAM, (2008) ; Bacharel em
Ciências Sociais(2007) e Licenciado em Geografia (1986), ambos pela Universidade
Federal do Amazonas. Exerce desde de 2009 a coordenação do Projeto Curupira,
que tem como objetivo Promover a Acessibilidade e Educação Inclusiva nos Campi
do IFAM/Manaus.