Artigo da REVISTA E.F. Nº 41 - SETEMBRO DE 2011http://www.confef.org.br/extra/revistaef/show.asp?id=3965
A prática esportiva e as atividades
motoras se apresentam como forma de estimular o desenvolvimento e a
socialização de crianças e adolescentes autistas.
Numa
academia do Rio de Janeiro, crianças se divertem durante a sessão de
ginástica artística do Profissional de Educação Física Rodrigo Brívio
(CREF 017431- G/RJ). Esses meninos e meninas, com idades entre três e 15
anos, desviam de cones colocados em cima da trave, saltam em bambolês
dispostos no tatame, pulam e cantam na cama elástica. Crianças muito
diferentes entre si, mas com um diagnóstico em comum: o autismo.
Tudo
começou há quase quatro anos, quando um aluno autista se inscreveu na
academia e foi encaminhado a Rodrigo, que já havia trabalhado com
Educação Física Especial. “Eu comecei com o Vítor. Aí a mãe dele chamou
outra mãe, que chamou outra mãe, que chamou outra...”, conta Brívio,
que, a partir desse primeiro aluno, foi recebendo mais outros, vindos
por indicação não só de pais, mas também de profissionais da área
médica. Só com a propaganda boca-a-boca (“Eu não tenho cartão de visita,
nada”), o número de crianças atendidas pulou para 30 – e ainda há uma
lista de espera.
As sessões de ginástica artística estimulam o
contato físico e fazem com que as crianças desenvolvam sua motricidade e
formas de se comunicar, através de palmas ou gestos – algumas até mesmo
ensaiam suas primeiras palavras. “Os autistas são muito resistentes ao
toque. E o Rodrigo, com essa brincadeira, essa interação, consegue se
aproximar e quebrar essa barreira”, conta Marcos Callipo, pai de uma das
crianças atendidas pelo profissional. Ele aponta outro ganho que a
atividade traz para os praticantes. “No autismo, você tem que, a todo o
momento, impor limites. E com essas atividades, o Rodrigo vai aos poucos
conseguindo impor esse limite. Em um mês já dá pra ver bastante
resultado”, atesta.
A empolgação desses pais com os resultados
obtidos pela ginástica artística pode ser conferida pela própria taxa de
evasão, próxima a zero. “Perdi apenas um aluno, de três anos e meio pra
cá. As crianças não saem daqui. Não saem”, frisa Rodrigo.
Em Alagoas, atividades motoras para autistas
Subindo
um pouco no mapa do Brasil, mais especificamente indo para a
Universidade Federal de Alagoas, conhecemos outro projeto que usa a
Educação Física para desenvolver as potencialidades de crianças e
adolescentes autistas e, de quebra, contribuir na formação de
profissionais de Educação Física aptos a lidar com indivíduos com
autismo. A prof. Chrystiane Toscano (CREF 000444-G/SE) coordena o
Projeto de Extensão em Atividades Motoras dirigidas a Crianças e
Adolescentes com Autismo (Premaut) que, com apenas dois anos, já
realizou um Seminário sobre o tema em abril deste ano. O auditório
lotado e a grande participação de profissionais de Educação Física e de
Pedagogia mostram que há um grande interesse em saber como trabalhar com
esse público.
O Premaut foi criado por Chrystiane em 2009, a
partir de uma demanda identificada durante visitas realizadas a
instituições que prestam atendimento a esse público. Ela percebeu que
esses locais não tinham profissionais de Educação Física dentro da
equipe psicoterapêutica e, mesmo quando havia o profissional, este
expressava a necessidade de uma formação exclusiva para atender ao
público autista. Com esse diagnóstico em mãos e a experiência que já
possuía na área, Chrystiane iniciou um grupo e estudos na UFAL que
pudesse responder às lacunas do atendimento aos indivíduos com autismo.
“Creio que existem, em todo país, poucos profissionais com formação
adequada para desenvolver projetos que possam atender às especificidades
da pessoa com autismo. Acredito que a universidade, assim como outras
instituições formadoras, tem esta responsabilidade social. Eu,
particularmente, estou fazendo a minha [parte]”, conta.
O Projeto
começou com dez crianças, com idades entre oito e 12 anos. Em 2010, a
pedido dos Centros de Atenção Psicossocial Infantil de Maceió, o Premaut
ampliou a ação e passou a atender também oito adolescentes com autismo.
Hoje, o grupo é composto por oito crianças e cinco adolescentes – de
acordo com Chrystiane, a saída de alguns deles teve como causas a
dificuldade de transporte ou a necessidade de frequentar escolas
especializadas no horário das atividades do projeto, que acontecem às
terças e quintas, das 14h30 às 16h.
Na interação com as crianças e
adolescentes autistas, a equipe do Premaut tem observado que é preciso
fazer ajustes de metodologia para auxiliá-los na aprendizagem motora. “A
fórmula ‘desenvolvimento normal em ritmo desacelerado’ não se aplica à
pessoa com autismo. Em nosso projeto temos encontrado, a partir da
utilização de instrumentos de avaliação de desenvolvimento motor, que as
pessoas com autismo modificam seus padrões motores em diferentes
velocidades”, relata.
Observação e persistência
Para
atender não só a autistas, mas a qualquer público com necessidades
específicas, todos sabemos que o Profissional de Educação Física tem que
se informar a fundo sobre seus sintomas e suas limitações. No caso do
autismo, os portadores do transtorno podem apresentar afetação
qualitativa nas suas relações sociais, alterações da comunicação e da
linguagem, falta de flexibilidade mental e comportamental.
Mas,
para Chrystiane Toscano, só esse conhecimento não basta. O Profissional
deve levar em conta, também, todo o contexto social em que a criança ou o
adolescente está inserido, ou seja: a observação é fundamental.
“Conhecer sua história de vida e identificar quais são as suas
possibilidades e dificuldades reais de interação com o meio me conduz à
projeção de seleções de procedimentos mais legítimos”, explica.
Rodrigo
Brívio acrescenta outra qualidade que o profissional de Educação Física
deve ter para trabalhar com autistas. “Além do conhecimento, tem que
ter persistência. Você sabe da capacidade daquele aluno, vê que somente
ele é capaz de fazer aquele determinado exercício e ele não faz, e eu
não sei explicar porque ele não quer fazer. Você tem que persistir
naquilo que acredita que realmente vai dar certo”.
Ele também
alerta para que o profissional tenha preparo emocional a fim de poder
conviver com todas as dificuldades que os autistas enfrentam no seu
cotidiano, pois o envolvimento é inevitável. “Não adianta dizer que vai
ser só alegria, que vai vir pra cá e fazer um trabalho bonito, não é bem
assim. Você conquista coisas junto, sofre junto com aquele aluno por
questões da escola: a dificuldade dessas crianças com a escola é muito
grande, é uma batalha a cada dia. Então não é “fiz aqui os 35 minutos,
acabou e tchau”. Não é isso. O envolvimento emocional é muito grande” .