sexta-feira, 1 de junho de 2012

Abuso sexual na infância: é preciso tocar nesta ferida


Recentemente,  a sociedade brasileira  ficou estarrecida diante do depoimento ao Fantástico da apresentadora Xuxa,  que relatou sobre o abuso sexual vivido na infância. Posteriormente,  os meios de comunicação informaram que em razão deste depoimento um número crescente de denúncias vieram à tona pelo Disque 100.  Denúncias que partiram de jovens adolescentes que se sentiram encorajadas a falar sobre uma dor para a qual,  lamentavelmente, não há remédio. Uma dor que é obrigada a se calar diante da impunidade que parece ser a regra, no Brasil.
Temos  consciência da existência do abuso sexual na infância. Assim como, também estamos cientes  das inúmeras dificuldades para vencer  este “câncer”  social. Este me pareceu o termo mais apropriado para descrever uma agressão tão covarde e monstruosa. E, podem ter a certeza do quanto está sendo difícil  falar sobre isso.  No entanto, tenho o dever moral de fazê-lo, como pessoa, profissional e mãe.
Aos 9 anos de idade fui surpreendida pelos “carinhos” do meu pai, que vez por outra nos visitava, pois estava separado de minha mãe. No início, pensei que se tratasse de um carinho mesmo. Ele  estava bêbado e me puxou para deitar com ele numa rede que estava estendida na sala. Colocou-me deitada sobre sí,  e começou, então, a passar a mão no meu corpo,  concentrando  seus “carinhos” em minhas partes íntimas. Quando isto aconteceu, comecei a sentir que algo não estava certo, pois os “carinhos” estavam me machucando, tanto física quanto espiritualmente. Não demorou, e, em seguida,  ele fez um movimento na direção de seu orgão genital. Neste instante, de forma impulsiva, pulei da rede e corri para o quintal, ficando lá por horas, no escuro, enquanto minha mãe conversava com a vizinha, totalmente alheia ao que estava acontecendo comigo.
Não consigo lembrar como dormi naquela noite. Mas, aquele episódio manchou minha alma, tirou minha inocência, pois,  já não podia me sentir pura, mesmo não tendo sido violentada. Mesmo assim,   sentia-me como tal.
No dia seguinte, meu pai foi embora, e toda vez que ele voltava,  eu me escondia  até que ele pegasse no sono. Demorei a contar para alguém. Tinha medo das consequências, pois ele era muito violento.  Nasci, vendo meu pai espancando  minha mãe;  é uma cena terrível para uma criança. Eu não desejava que isto acontecesse novamente. Por essa razão acabei contado para a minha irmã mais velha, que em seguida contou para minha mãe. Ela, então, o expulsou de casa. No entanto, antes de sair ele deixou sua marca: espancou minha mãe e meus irmãos. Não preciso nem dizer o quanto me senti  responsável por isso.
As consequências de uma experiência de abuso sexual, dentro da própria casa, por uma pessoa que deveria te proteger, são inúmeras. Pessoalmente, insegurança e  baixa autoestima foram as que mais me afetaram.
Meu pai faleceu há alguns anos atrás, vítima de  uma acidente de trânsito. Antes de morrer,  ficou em estado de coma e não mais retornou. Durante este período, estive com ele no hospital  e pedi muito por sua recuperação.  No seu sepultamento, pedi perdão por não amá-lo como gostaria.
Recentemente, tenho pensado em como trabalhar a temática do abuso sexual com as crianças do meu CMEI,  de modo que elas possam identificar  o bom carinho e o  mal carinho. É preciso desde cedo saber a diferença entre ambos.
Juridicamente, o estupro foi considerado um crime hediondo. Qualquer tentativa de abuso sexual  deve ser considerada um crime hediondo. Não podemos ser tolerantes com tal violência. Não podemos ter vergonha de falar sobre isso. Pois quem  se beneficia do silêncio é o agressor.
“Com a reformulação do Código Penal, em 2009, qualquer tipo de contato sexual com crianças e adolescentes, mesmo sem conjunção carnal, passou a ser considerado estupro e, portanto, qualificado como crime hediondo. A Lei 12.015, de 7 de agosto daquele ano, passou a tratar de forma mais rigorosa os agora chamados crimes contra a dignidade sexual. Houve o agravamento de penas e medidas processuais, sobretudo para os crimes cometidos contra menores de idade.” (http://www.em.com.br). As penas podem chegar a 15 anos de reclusão e qualquer pessoa pode apresentar a denúncia, o que não ocorria anteriormente. As mães, também, não podem ser omissas. Devemos estar vigilantes, pois o agressor pode estar mais perto do que se imagina.

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