Recentemente, a sociedade brasileira ficou estarrecida diante do depoimento ao
Fantástico da apresentadora Xuxa, que
relatou sobre o abuso sexual vivido na infância. Posteriormente, os meios de comunicação informaram que em
razão deste depoimento um número crescente de denúncias vieram à tona pelo
Disque 100. Denúncias que partiram de
jovens adolescentes que se sentiram encorajadas a falar sobre uma dor para a qual,
lamentavelmente, não há remédio. Uma dor
que é obrigada a se calar diante da impunidade que parece ser a regra, no
Brasil.
Temos consciência da existência do abuso sexual na
infância. Assim como, também estamos cientes das inúmeras dificuldades para vencer este “câncer” social. Este me pareceu o termo mais apropriado
para descrever uma agressão tão covarde e monstruosa. E, podem ter a certeza do
quanto está sendo difícil falar sobre
isso. No entanto, tenho o dever moral de
fazê-lo, como pessoa, profissional e mãe.
Aos 9 anos de idade fui
surpreendida pelos “carinhos” do meu pai, que vez por outra nos visitava, pois
estava separado de minha mãe. No início, pensei que se tratasse de um carinho
mesmo. Ele estava bêbado e me puxou para
deitar com ele numa rede que estava estendida na sala. Colocou-me deitada sobre
sí, e começou, então, a passar a mão no
meu corpo, concentrando seus “carinhos” em minhas partes íntimas. Quando
isto aconteceu, comecei a sentir que algo não estava certo, pois os “carinhos”
estavam me machucando, tanto física quanto espiritualmente. Não demorou, e, em
seguida, ele fez um movimento na direção
de seu orgão genital. Neste instante, de forma impulsiva, pulei da rede e
corri para o quintal, ficando lá por horas, no escuro, enquanto minha mãe conversava
com a vizinha, totalmente alheia ao que estava acontecendo comigo.
Não consigo lembrar como dormi naquela
noite. Mas, aquele episódio manchou minha alma, tirou minha inocência,
pois, já não podia me sentir pura, mesmo
não tendo sido violentada. Mesmo assim, sentia-me como tal.
No dia seguinte, meu pai foi
embora, e toda vez que ele voltava, eu
me escondia até que ele pegasse no sono.
Demorei a contar para alguém. Tinha medo das consequências, pois ele era muito
violento. Nasci, vendo meu pai espancando minha mãe; é uma cena terrível para uma
criança. Eu não desejava que isto acontecesse novamente. Por essa razão acabei
contado para a minha irmã mais velha, que em seguida contou para minha mãe. Ela,
então, o expulsou de casa. No entanto, antes de sair ele deixou sua marca: espancou
minha mãe e meus irmãos. Não preciso nem dizer o quanto me senti responsável por isso.
As consequências de uma
experiência de abuso sexual, dentro da própria casa, por uma pessoa que deveria
te proteger, são inúmeras. Pessoalmente, insegurança e baixa autoestima foram as que mais me afetaram.
Meu pai faleceu há alguns anos
atrás, vítima de uma acidente de
trânsito. Antes de morrer, ficou em
estado de coma e não mais retornou. Durante este período, estive com ele no
hospital e pedi muito por sua
recuperação. No seu sepultamento, pedi
perdão por não amá-lo como gostaria.
Recentemente, tenho pensado em
como trabalhar a temática do abuso sexual com as crianças do meu CMEI, de modo que elas possam identificar o bom carinho e o mal carinho. É preciso desde cedo saber a diferença entre ambos.
Juridicamente, o estupro foi
considerado um crime hediondo. Qualquer tentativa de abuso sexual deve ser considerada um crime hediondo. Não
podemos ser tolerantes com tal violência. Não podemos ter vergonha de falar
sobre isso. Pois quem se beneficia do
silêncio é o agressor.
“Com a reformulação do Código
Penal, em 2009, qualquer tipo de contato sexual com crianças e adolescentes,
mesmo sem conjunção carnal, passou a ser considerado estupro e, portanto,
qualificado como crime hediondo. A Lei 12.015, de 7 de agosto daquele ano,
passou a tratar de forma mais rigorosa os agora chamados crimes contra a
dignidade sexual. Houve o agravamento de penas e medidas processuais, sobretudo
para os crimes cometidos contra menores de idade.” (http://www.em.com.br). As penas podem chegar a
15 anos de reclusão e qualquer pessoa pode apresentar a denúncia, o que não
ocorria anteriormente. As mães, também, não podem ser omissas. Devemos estar vigilantes, pois o agressor pode estar mais perto do que se imagina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário