segunda-feira, 25 de junho de 2012

MINHA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA COM O AUTISMO



Em 2005, recebi o convite para atuar como pedagoga no então Centro Municipal de Educação Especial, pertencente à Secretaria Municipal de Educação em Manaus/Am.  Fiquei surpresa com o convite, já que não possuía nenhuma qualificação nesta área, ao mesmo tempo em que me senti desafiada a aceitá-lo, movida por questões éticas e morais.
É muito comum ouvir de profissionais da educação a justificativa de que não podem atender uma criança com deficiência em razão de não possuírem formação específica para tal. No entanto, os profissionais que atendem às crianças com deficiência, na maioria das vezes, não tiveram formação específica, na graduação, para atuarem na área.  Sendo assim, assumem a responsabilidade por sua formação, participando, constantemente, de cursos, seminários e congressos (quando podem arcar com os custos ou são gratuitos). Além de muitas leituras sobre o tema, buscando sempre articulá-las a sua prática pedagógica.
                Durante os anos de assessoramento às turmas que atendiam crianças com deficiência nos incomodava a falta de criatividade de uma parcela dos professores no uso dos recursos pedagógicos. Em geral, a atividade de rotina centrava-se, sempre, na realização de exercícios no caderno ou mimeografados. O objetivo era, parecia-nos, manter o aluno sentado na cadeira, realizando infindáveis cópias, muitas vezes sem o mesmo  ter compreensão alguma do que estava fazendo. Um ato mecânico, desprovido de sentido. Outro desconforto era perceber que havia alunos que permaneciam longos períodos na Classe Especial sob a justificativa de que não estavam aptos a serem integrados ao ensino regular. Alguma coisa estava errada.
                Essa foi a razão pela qual decidimos elaborar um projeto de intervenção pedagógica baseado no uso dos jogos de regras como forma de mediar a aprendizagem, de modo a auxiliar tanto o aluno quanto o professor. Um ano depois, vimos  que poderíamos usar esse mesmo projeto em turmas de alunos com autismo, matriculados na Escola Especial André Vidal de Araújo.  Tínhamos a crença de que era possível ajudar às crianças com autismo a vencerem algumas de suas limitações no âmbito da interação, comunicação e aprendizagem, através da aplicação dos jogos de regras.
                Sabemos que uma das principais dificuldades  das crianças que apresentam autismo está em estabelecerem interações positivas com o outro, de modo que isto acaba afetando a sua comunicação e o desenvolvimento de sua linguagem. Nesse sentido, é preciso investir recursos e estratégias pedagógicas visando sua socialização, de modo a estimular e desenvolver tais competências.
                Alguns imaginam que para lidar com uma criança com TEA (Transtorno do espectro do autismo),  devemos nos moldar ao seu comportamento, na verdade é justamente o contrário ou não faria sentido falar em socialização para esses pequenos.  
Desse modo a aplicação dos jogos de regras cumpriu muito bem o seu papel, já que são capazes de promover a interação mediada pela atividade lúdica, de um modo muito agradável e “indolor” para crianças com autismo. A troca, a partilha, a observância do limite entre a minha ação e a ação do outro, estimulam o desenvolvimento do autocontrole da conduta e consequente autonomia.
Além disso, as crianças atendidas foram capazes de desenvolver habilidades sociais muito importantes, tal como aprender a lidar com suas próprias frustrações, no momento em que perdiam no jogo. No início, evidentemente, ocorreram às birras, mas, com o passar do tempo - à medida que as regras do jogo eram assimiladas - elas foram cedendo a uma atitude de resiliência, o que significou para nós um grande avanço. Como esse tipo de habilidade só pode ser aprendido na prática, a convivência social através do jogo foi fundamental.
Crianças com autismo são, sobretudo crianças, dotadas  de uma personalidade própria. Não existe uma criança com autismo igual à outra com o mesmo transtorno. Não faz sentido buscar estabelecer procedimentos pedagógicos baseados em padrões de comportamentos autistas que só existem na literatura médica.
 Não existe um padrão único de comportamento que caracterize as crianças com autismo, da mesma forma que não existe um padrão único que caracterize os ditos normais. Sendo assim, não existe uma receita pronta, uma orientação prévia. Somente o contato com uma criança com autismo nos permitirá conhecê-la e entender que ela é produto muito mais das interações que estabelece com o meio do que fruto, apenas, de um transtorno.
Muitos profissionais por conhecerem profundamente os padrões que caracterizam um comportamento autista, ao se depararem com o sujeito real, não conseguem enxergá-lo, pois o que eles veem é, somente, o Autismo.
No entanto, ao se permitirem conhecer crianças com autismo percebem que não existe um comportamento homogêneo neste grupo, apesar de todos apresentarem limitações no processo de interação em maior ou menor grau. Quando isto acontece chegam a duvidar que determinadas crianças tenham autismo já que estas não se encaixam na maioria das características descritas pela literatura médica.
Não estamos negando a existência do Autismo. O nosso desejo é que as pessoas passem a enxergar as crianças com autismo, antes de tudo, como crianças. Para as quais a educação no âmbito familiar e escolar são tão importantes para elas quanto para qualquer outra criança.
Não desejamos que todo comportamento de uma criança com Autismo seja justificado, apenas, pelo transtorno. Já que dependendo da natureza das interações que estabelece com o meio e  os sujeitos, sua resposta poderá ser positiva ou não.  O fato é que não é possível definir os limites entre o que é resultado do transtorno e o que não é. Para alguns, todo o comportamento da criança é justificado pelo Autismo, porque é a única coisa que as pessoas enxergam: uma “criança autista”. Quando deveriam enxergar uma criança com Autismo. O autismo é apenas um dos seus atributos.
Essa mudança de perspectiva faria uma enorme diferença no atendimento às crianças com Autismo. Talvez assim, poderíamos encontrar mais respostas do que indagações. De antemão, podemos afirmar que existe um leque de possibilidades, pois, em condições favoráveis, pessoas com autismo podem se desenvolver de forma plena e saudável. É nisso que acreditamos.
Nota:
             Existe um registro em vídeo do trabalho realizado com estas crianças no ambiente da Escola Especial, em 2010.

Este relato foi elaborado no período em que a pedagoga Solange Oliveira atuou como assessora pedagógica das Classes Especiais, Salas de Recursos e Escola Especial sob a coordenação da Profa. RENI FORMIGA, gestora da Gerência de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, em Manaus/Am, em 2010.


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